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A Importância do Respeito e do Tempo no Processo de Autoaceitação

Por Guilherme Gomes da Silva


Uma das fases mais sensíveis da vida de uma pessoa LGBTQIAPN+ é enxergar e reconhecer sua própria identidade, além de expressar isso para o mundo, o que é mais conhecido como “se assumir” ou “sair do armário”. Porém, o que é “se assumir”? Como nossa comunidade é minorizada, oprimida e sofre diariamente uma tentativa de ser silenciada pela sociedade, existe certa convenção social por trás disso. Como se a pessoa pertencente à comunidade tivesse uma obrigação de se assumir, dizer quem ela é e onde ela está na sopa de letrinhas para os demais. Isso deve ser uma escolha de cada um. Ninguém deve ser obrigado a fazer algo. Cada pessoa tem um tempo, uma forma de lidar com seus próprios sentimentos, medos, traumas e, quando “forçado” por alguém - vulgo, “tirado do armário” -, o que deveria ser uma escolha pode se tornar uma experiência extremamente traumática e deixar marcas profundas na história de uma pessoa LGBTQIAPN+.


Eu fui tirado do armário aos 18 anos, numa época em que ainda não me reconhecia como homem gay. Estava passando por mudanças físicas, iniciando minha carreira no mundo corporativo, estudando meu primeiro curso superior, com conflitos familiares, entre outras coisas. Isso sem contar o fato de vir de uma família religiosa (Cristã), por parte de mãe, e deuma outra ultraconservadora, por parte de pai (que inclusive, infelizmente, é uma pessoa homofóbica que vive repetindo que gay deve apanhar, morrer e que eu poderia ser tudo,menos “viado”). Foi nessa realidade que conheci meu primeiro namorado, minha primeira experiência com um homem, e tudo estava à flor da pele: era a primeira vez que me permitia viver meus sentimentos, vontades e desejos. Tudo era muito intenso, sensações muito fortes que agora não precisavam ser vividas no quarto, trancado na minha própria imaginação. Porém, como ainda não podia ser um homem independente financeiramente, minha família não podia saber de nada… Eu nunca tive coragem de falar da minha atração por homens, por ouvir falas preconceituosas dentro de casa, por exemplo, que eu “iria pro inferno, segundo a palavra de Deus”. Tudo eu fazia escondido, saindo aqui e ali, só praencontrar um “amigo” ou “amigos”. Saía mais cedo da faculdade para ir correndo encontrar meu namorado e viver o que eu tanto tinha vontade: me conhecer ainda mais e começar a explorar minha própria identidade, descobrir quem eu era. Mas tudo isso escondido e sem o apoio da família.  

 

Eu sempre gostei de me expressar por arte (músicas, falas em filmes, desenhos etc.) e sou apaixonado por desenho. Na época, fiz um desenho pro meu namorado em que tinha a palavra “love” (amor, em inglês), com as cores da bandeira LGTQIAPN+, acima de dois homens se beijando. Mostrei esse desenho pra minha irmã (na época com 12 anos), na inocência de que nada aconteceria. Quando eu não estava em casa, minha irmã pegou o desenho e mostrou pra minha mãe, dizendo que algo estava “estranho” comigo porque eu tinha feito aquele desenho.

Certo dia, eu saí pra encontrar meu namorado e acabei chegando mais tarde, à noite, que o de costume. Ao chegar em casa, vi minha mãe com um semblante que nunca tinha visto antes na vida e já pensei “Que merda que eu fiz?”. Ela tinha uma expressão séria, pesada, que me fez ficar nervoso só de ser contemplado pelo olhar dela. Ela, com meu caderno de desenhos nas mãos, pediu que eu me sentasse no sofá. Me sentei, com medo do que viria pela frente. Ela começou a me questionar onde estava, quem era esse suposto “amigo” com quem eu tanto saía e me mostrou o desenho, perguntando o que ele significava… Em resposta ao questionamento, eu disse que fiz para o meu “amigo”. Ela perguntou abertamente se essa pessoa era meu namorado, se eu era gay. Ela estava nervosa, um tom irritado. A forma como ela falava e me olhava, me deixou muito nervoso. Eu neguei todas as vezes dizendo que eu não era gay, que se tratava realmente de um amigo. Eu menti. Minha cabeça estava a milhão. Eu me sentia sufocado, culpado por estar mentindo pra minha mãe e, ao mesmo tempo, desesperado. Eu tremia e transpirava de nervoso sem saber o que fazer. Pensava em tudo ao mesmo tempo e não pensava em nada. Eu não me sentia preparado pra contar... Ela continuou insistindo, me pressionando e,cansado, eu finalmente falei: “Sim, mãe, sou gay”. Os momentos seguintes foram de choro, em que eu ouvi coisas como: “Eu joguei pedra na cruz pra merecer isso?!”, “O que eu fiz pra merecer isso, meu Deus?”, “Já não basta tudo o que eu passo com seu pai? Agora mais isso?!” e assim por diante. Num ato de raiva, ela rasgou o desenho na minha frente (pode parecer dramático, mas senti no peito um aperto vendo minha mãe fazer aquilo com tanta raiva).

 

Os dias que se seguiram foram os piores da minha vida. Eu vi a pessoa que dizia ser quem mais me amava no mundo olhar pra mim de uma forma pesarosa. Ficamos dias sem nos falar, ela chorava pelos cantos da casa todos os dias. E eu sentia um peso, por estar vendo todo aquele sofrimento, me questionava, me sentia culpado e a pior pessoa do universo, uma angústia e uma dor imensa. Quando ela me olhava, eu me sentia tão mal, de uma forma que não consigo descrever… Eu me sentia mais um “fardo”, mais um “problema para a família”. E tudo que eu mais queria era alguém pra conversar, me acolher, me escutar… Ao confrontar minha irmã sobre o porquê de ter feito aquilo, ouvi: “Eu fiz para o seu bem”. Porém, nós podemos mesmo avaliar o que é “bom” para o outro, sem sentir a dor dele, sem entender realmente todo contexto de vida, sentimentos e tudo mais?

O tempo passou e hoje tenho um relacionamento excelente com minha mãe e irmã. Contudo, restou essa marca do passado, que foi muito dolorosa. Se você tem uma pessoa na família que é LGBTQIAPN+, um amigo, um colega no trabalho que seja, não faça piadas, comentários ou qualquer tipo de exposição que leve as pessoas a subentenderem algo ou, muito menos, tenha alguma atitude que interfira diretamente nesse momento. Seja empático, respeite o tempo dessa pessoa. Você não sabe como ela está se sentindo, como está a saúde mental dela, quais seus anseios, seus medos etc. Principalmente, se essa pessoa é da sua família, lembre-se de que a sociedade mata, violenta e já exclui pessoas como nós. A família tem um papel social de acolhimento, porto seguro e,se ela acolhe, tenta entender, abraçar e respeitar, o caminho pode ser bem diferente. Todo esse processo de se entender e “sair do armário” pode ser muito menos doloroso e traumático. Uma pessoa LGBTQIAPN+ merece respeito, como qualquer outra. Somos todos humanos e vivemos em busca de conseguir exercer plenamente nossos direitos e,principalmente, lutando para que um dia possamos não apenas sobreviver, mas sim viver. 


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